terça-feira, 24 de junho de 2008

LUIS BELEZA DE ANDRADE - II

http://ruidesaeguerra.webs.comsessão/ da Câmara do Porto de 18-9-1756
com a posse de Luis Beleza de Andrade como vereador
(contém a assinatura do empossado)



No último quartel do século XVII a balança comercial portuguesa ficou altamente deficitária no intercâmbio mercantil com a nossa aliada Inglaterra. Os Ingleses deixaram de nos comprar os produtos coloniais, tabaco e açúcar depois de empreenderem, com êxito, no decurso do século XVII, a plantação do tabaco na Virgínia e do açúcar nas Índias Ocidentais. No entanto, Portugal continuava a importar da Inglaterra os bens que carecia, como os têxteis, ferragens e produtos alimentares.
A crise comercial adveniente gerou os naturais mecanismos de defesa e então recorreu-se à exportação do vinho duriense para pagar as nossas importações.

Não era, no entanto, o vinho fino que hoje conhecemos. Só no princípio do século XVIII o vinho começou a ser reforçado com aguardente para suportar a viagem, mas era logo consumido depois de chegar ao destino. Mais tarde, o envelhecimento em cascos transformou-o em vinho de sobremesa, doce e encorpado.
O Tratado de Methuen, assinado em 1703, favoreceu a exportação do vinho, permitindo a entrada na Inglaterra dos nossos vinhos com a redução de um terço das taxas aduaneiras incidentes sobre os vinhos franceses, em troca dos produtos manufacturados ingleses.
Desta forma, à medida que se incrementava o comércio com a Inglaterra, o escoamento da produção vinícola duriense era garantido. Os vinhos eram, por natureza, muito generosos e conservavam-se firmes durante muitos anos. A sua cotação subiu. A pipa que valia 8 a 12 mil reis chegou a ser transaccionada a 60 e até, excepcionalmente, 96 mil reis.
Foi esta a causa principal de todos os males sobrevindos. O plantio da vinha desbordou para zonas impróprias e para outras províncias.
Os ingleses, que mantinham todo este comércio, trabalhavam à comissão das casas cujas sedes ficavam no Reino Unido. As casas inglesas do Porto multiplicavam os seus lucros razão por que em breve aumentaram, atingindo o número de 32. Foram estas casas inglesas que constituíram a Feitoria inglesa na cidade do Porto.
Para aumentarem os lucros recorreram à adição de vinhos inferiores e às mais singulares confeições. E os lavradores, também desejosos de maiores lucros aumentaram a produção. Os campos que davam pão, os outeiros cobertos de olival, as encostas dos soutos transformaram-se em vinhedos.
Um anónimo francês, que visitara o nosso país por essa época, descreveu, com manifesto exagero, que o Norte de Portugal era uma «vinha contínua» pelo «desejo idiota de plantar vinha que varreu as províncias do Norte»
[1]
Sobreveio a crise da fartura. O vinho produzido em ambas as costas do Rio Douro para exportação sofria também forte concorrência dos de inferior qualidade que recebiam a cor, o sabor e o corpo pelo adicionamento da baga de sabugueiro, açúcar, tibornas, aguardente de borras, canela, pimenta e cravo, sal, noz moscada, caparrosa, açúcar, campeche e outros produtos.
O excesso da oferta e a adulteração teve gravíssimas consequências. Na alfândega de Londres chegou-se a salgar e a destruir lotes de vinhos portugueses considerados nocivos à saúde e venenosos.

A grande crise vinhateira ocorreu de 1750 a 1756. Escreveu mais tarde o Marquês de Pombal que os lavradores durienses queixavam-se de que o abade de Lobrigos abandonara a sua Igreja porque os paroquianos não podiam pagar a côngrua, as casas principais achavam-se reduzidas à última pobreza, tendo vendido ou empenhado até as colheres e garfos com que comiam.
Não eram afirmações exageradas como hoje se lê em tratadistas qualificados.
Conta Luís Beleza de Andrade, em carta de 18-5-1758, dirigida a José Moreira Leal e Manuel Pereira de Faria, sindicantes da primeira Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que, um dos motivos que o levara a procurar meios «de dar sahida aos vinhos do Douro, fora porque hindo nos annos de 1753, e 1754 asistir as vindimas de meu Pay na Villa de Valdigem, ahi vira que a gente geralmente hia morrendo, e com tanto excesso, que se hião deminuindo muitas famílias; e indagando o motivo daquella mortandade alcancei, que quazi tudo procedia da pobreza, que por ser geral, nem tinhão com que se curassem, nem quem os podesse socorrer, sendo a doença de que morrião, humas maleitas das quaes escapavam todos aquelles que tinhão dês ou doze tostões com que comprasem quina, e ter alguns dias de dietta»
[2].
Era o paludismo, a malária instalada e os povos morriam desprovidos dos dez ou doze tostões com que comprar o quinino e fazer a dieta.
Ninguém se considerava responsável.
A Feitoria Inglesa alegava que os malefícios resultavam da lota dos vinhos dos altos e ruins sítios com os da Feitoria, do pouco cuidado no lagar e do adicionamento de aguardente que os abafava na fervura.
Transmitia, por esse facto, em Setembro de 1754, instruções a todos os comissários para avisarem os lavradores da forma de fazer o vinho, e que também os comissários «sabendo da vindima daqueles que não tiverem emenda, nos dêm parte, para fugirmos da sua porta, pois estamos na resolução de não comprar a quem não observar o referido».
Contrapunham os «Comissários Veteranos de sima do Douro» que a causa dessa decadência devia-se à Feitoria. Explicavam, numa curiosa e bem elaborada frase, muito citada: «Conheceram os mercadores ingleses que o vinho de Feitoria sobre bom tinha passado ao estado de melhor; quiseram que excedesse ainda mais os limites que lhe facultou a natureza, e que sendo bebida fosse um fogo potável nos espíritos, uma pólvora incendida no queimar, uma tinta de escrever na cor, um Brasil na doçura e uma India no aromático».

Para o efeito, começaram a lançar-lhe aguardente de prova na fervura, e bago de sabugueiro, ou folheco de uva preta para a cor.
Ao tempo, Manuel Roiz Braga, reputado provador de vinhos, em carta ao Padre João de Mansilha, escrevia: «Haverá coisa de 20 anos os ingleses desta cidade não eram mercadores, eram comissários dos vinhos» oferecendo-os «aos seus correspondentes por preço certo e por pipa, posto a bordo dos Navios aqui, neste Rio Douro». Faziam as suas misturas de vinhos inferiores com os bons «para avançarem maior lucro».

Por essa altura um comerciante espanhol oriundo da Biscaia, radicado no Porto, Dom Bartolomeu Pancorbo, diligenciava constituir uma sociedade com o objectivo de comercializar os vinhos através da exportação. Estava nos seus projectos a abertura de mercados por toda a Europa, associando ao empreendimento o próprio filho, um gentil homem do Ducado de Lorena e outras individualidades europeias de grande influência.

Não obteve êxito os seus intentos de negócio por carência de financiamento. Retirou-se para Lisboa e faleceu em 13 de Dezembro de 1756[3].
Na já invocada carta de 1758, Luís Beleza recorda o quadro de miséria que lhe foi dado ver na vila de Valdigem, pela altura das vindimas nos anos de 1753 e 1754. Tocado por esta situação e considerando inútil a despesa feita no aumento das vinhas do pai, entrou «a procurar todos os modos de dar saída aos vinhos».
Minudencia as acções que levou a cabo.
Fez diligências junto do Governo para que fosse promulgado diploma a ordenar a observância do velho Alvará de Setembro de 1605 que limitava em 95 o número de tabernas no Porto e nos lugares circunvizinhos em distância de três léguas, para assim ter-se melhor controlo do vinho aí vendido. Logrou alcançar a respectiva provisão em Agosto de 1755. Também, decorrido um ano, o próprio Alvará instituidor da Companhia, nos § XXVIII e § XXXII consagrou esta solução.
Associou-se a quatro comerciantes para enviar à Rússia, em Setembro desse ano, como delegado Manuel Pinto Paiva, a fim de estudar esse mercado.
Por essa altura encontrou-se com o frade dominicano Padre Mestre Doutor João de Mansilha, natural de S. Miguel de Lobrigos «com quem ate ali não tinha amizade algûa, sabendo que elle era das terras do Douro, lhe comuniquei os meos pensamentos, que elle logo abrasou, e louvou».
Mas outras soluções urgiam, como ele escreve na longa carta de 18-5-1758 a José Moreira Leal e Manuel Pereira de Faria: «Entramos a procurar mais caminhos» já não de carácter privado e individual, e ao intento convoca alguns dos principais lavradores do Douro «para um conclave» em sua casa. Nessa reunião o Padre João de Mansilha esteve presente e alvitrou que o melhor sistema seria proceder-se à «demarcação das Serras», cuja sugestão agradou a todos.
Comenta Sousa Costa: «A demarcação das serras! A limitação oficial, nos pendores da Terra do Vinho, da zona privilegiada que gera os mostos de mais nobre estirpe, elemento primordial da selecção espontânea de qualidades e tipos».
A petição foi elaborada e remetida à Corte e posto viesse a informar ao governador das Juntas Bernardo Duarte de Figueiredo, este não prestou as informações solicitadas.
Na conjuntura, Luís Beleza soube que D. Bartolomeu Pancorbo, deslocava-se a Lisboa a aguardar as frotas, donde vinha o dinheiro dos seus negócios no Brasil, e pediu-lhe que falasse na Corte sobre a instante necessidade de se constituir uma companhia com o objectivo estatutário de proteger a lavoura do Douro e o correlativo comércio vinhateiro.
A diligência de Pancorbo surtiu efeito e, em breve, remetia de Lisboa a Beleza o projecto para os lavradores assinarem, pedindo-lhe de volta que o pai, o mestre de campo José Vicente de Andrade Beleza, não alugasse os armazéns para estarem prontos a receber o vinho que a projectada Real Companhia viesse a comprar. Referia-se aos armazéns já na primeira parte deste estudo aludidos, situados na Avenida Diogo Leite, em Vila Nova de Gaia hoje pertencentes a A. A. Cálem & Filho, Lª.
Continua Beleza a relatar os ulteriores passos: «Fomos para as vindimas, e lá de acordo com os mais Lavradores reformamos os arttigos e os asignamos, e depois nesta Cidade de donde os inviamos ao dito Pancorbo, o qual respondeo, que logo, logo fosse eu a Corte; e que se quizesse levar commigo ao dito Padre Doutor melhor seria; mas não podendo eu hir, e reconhecendo a minha curta inteligência pedi ao dito Padre Doutor, que quizesse ir; e lhe dei sessenta moedas da minha bolça; pois ninguém quis contribuir para as despezas».
Comenta Sousa Costa que aquele reconhecimento da curta inteligência, longe de o apoucar confere-lhe a copiosa sapiência de Salomão astuto, a esconder-se por trás da cátedra filosófica do Padre Mestre para levar a virtude ao seu vinho
[4].
Como se vê, e era também o entendimento do saudoso Eng. Moreira da Fonseca, a ideação da Companhia deveu-se a Luís Beleza.

Aliás, o próprio Padre Mansilha, que até apresentou a sugestão de «demarcação das serras» naquela reunião ou «conclave», como designou depois Luís Beleza, com os lavradores, na sua casa no Porto, sempre lhe atribuiu essa «honra e glória».
Efectivamente, lê-se em certa passagem da carta, datada de 9-10-1756, do Padre Mansilha ao provedor: «Primeiro – Porque tirou Vossa Merce a si próprio, aquela glória e honra, em que eu sempre lhe atribui – pois a Sua Excelência (referia-se a Sebastião de Carvalho e Melo) tinha sempre persuadido, que Vossa Merce fora o que primeiro falara em tal Companhia e que o Castella (alusão picante ao biscainho D. Bartolomeu Pancorbo) viera a Lisboa a diferente fim – e que Vossa Merce o persuadira a tocar na Companhia…».
Além da paternidade da ideação, os restantes membros da futura Junta concordaram que só ele suportou as despesas de procuradores, próprios e outras diligências para o estabelecimento da Companhia, «e que esta despesa perderia se a Companhia se não formasse».

A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro recebeu a sua personalidade jurídica pelo Alvará de 10 de Setembro de 1756, formada com o capital de um milhão e duzentos mil cruzados repartido em acções de quatrocentos mil reis cada uma, e propunha-se restituir o bom nome ao vinho do Douro, garantindo a genuidade, elevar o nível de vida da região e sustentar o comércio de exportação do vinho que era um dos mais importantes do Reino.
As vantagens que da sua criação resultaram foram indiscutíveis, introduzindo o regime de demarcação que os franceses também adoptaram quase um século depois (§ XXIX dos Estatutos). Determinou-se a elaboração de um mapa e tombo geral das duas costas, setentrional e meridional do Rio Douro, no qual se demarque todo aquele território que produz os verdadeiros vinhos de carregação capazes de sair pela barra do Rio Douro, para exportação.
Medida tão restritiva para garantir a qualidade do vinho recebeu a brecha relatada pelo contemporâneo Jácome Ratton nas suas Recordações: O Padre Frei João de Mansilha, procurador geral da Companhia das Vinhas do Alto Douro, comprava por bom preço todos os vinhos da Quinta de Oeiras, da propriedade do primeiro ministro, como muito necessários, dizia ele, para lotar os da Companhia!
A administração foi confiada a um provedor, 12 deputados, um secretário e seis conselheiros. Este complexo corpo de gestão saía obrigatoriamente dos accionistas que por seu turno, deveriam ser de reconhecida competência no comércio dos vinhos e, para além disso, ao provedor e deputados exigia-se a subscrição significativa nas acções, sempre acima de dez mil cruzados (§ XLIV).
Ademais, os cargos de provedor e de deputados, para reforçar e prestigiar o poder da administração, conferiam o estatuto de nobreza a quem os ocupasse se não gozassem ainda desse status, depois de haverem exercitado por dois anos completos o respectivo mandato, com satisfação da Companhia; ficavam, também, habilitados a receber os hábitos das Ordens Militares
[5].
O Dr. Gaspar Martins Pereira, em estudo publicado em o número 1, ano 1996, da revista Douro – Estudos & Documentos, regista uma representação dos lavradores proprietários de Valdigem, Santa Marta de Penaguião, Peso da Régua e Lamego. Abundavam eles: por diversas vezes, os lavradores do Douro denunciaram o facto da Junta da Companhia ser constituída na sua quase totalidade por comerciantes e habitantes do Porto. Mas, louvando, acrescentam que justa e acertadamente pensaram os Lavradores e moradores do Porto no tempo em que pactuaram esta instituição que para o governo da administração da Companhia deviam ser administradores os Lavradores que cultivavam este género juntamente com os Negociantes que o negociava. Nesta conformidade foram nomeados pelo rei D. José I para provedor e deputados da Junta igual número de lavradores moradores no Douro - «neste País» como se referiam -, sendo o primeiro provedor residente e natural dele, Luís Beleza de Andrade, que com os deputados lavradores imediatamente se passaram a residir na cidade do Porto a dirigir a Administração; e nos três primeiros anos de duração desta primeira Junta consultaram o governo pedindo providências para aumento e felicidade da lavoura e do comércio.
Concluem os lavradores a exposição deste feitio: «Na nomeação da segunda Junta já não foi contemplado Lavrador algum morador neste Alto Douro, porque o Procurador da Companhia, naquele tempo Frei João de Mansilha, e por quem corriam todos os negócios de despachos dela, devendo informar igual número de Lavradores moradores neste Douro, o fez tanto pelo contrário que saíram todos moradores na Cidade do Porto; e para dar uma aparente satisfação ao sobredito § 2º foi nomeado Provedor Vicente de Noronha, a título de Lavrador, por ter uma Quinta neste Douro, onde nunca pelos naturais dele foi visto, nem conhecido, e por isso ignorante de todas as precisões da nossa Agricultura e dos nossos competentes interesses para promovê-los na Administração com igualdade aos do Comércio…»
[6].
Referiam-se a Vicente de Noronha Leme Cernache que, por Carta de 20-12-1760, foi nomeado provedor da Companhia em substituição de Luís Beleza de Andrade. Era proprietário da Quinta da Aveleira na freguesia de Távora.
Conta o Eng. Álvaro Moreira da Fonseca, quando estudou as demarcações pombalinas no Douro vinhateiro, que várias quintas na mesma zona de demarcação, como as Quintas da Nova Prelada em Abaças, da Fonte do Milho em Poiares, da Sendarela Velha em Vilar de Maçada e outras que não usufruíam protecções especiais, ficaram excluídas da qualidade de produtoras de vinho da feitoria, mas a Quinta da Aveleira fora incluída na zona da Feitoria, classificada para 19$200 reis a pipa. Acrescenta a comentar: «Sentimos uma anomalia, uma injustiça!».
E mais adiante: «Nós próprios, consideramos parte das encostas desta Quinta, como outras a sul e fazendo parte das Quintas de S. Pedro das Águias e das Heredias – limite extremo da Região Produtora de vinhos generosos no vale de Távora – como dignas dessa distinção, mas não em 1761, quando tantas outras vinhas bem mais dignas de tal classificação ficaram taxadas para 15$000 e até 10$500 reis! A Quinta de Roriz, bem superior à Aveleira, e tanto que ouvia o ranger da espadela por beber ao Rio Douro, não obteve mais de 15$000 reis, e todas as encostas circundantes não iam além de 10$500, facto que consideramos outra injustiça! Resoluções próprias dos homens
[7].
Já no primeiro quartel do século XIX ainda se criticava a admissão na feitoria da quinta do Salter (era a referida quinta da Aveleira) «só porque era homem de grande poder e de grande influência na corte, a qual quinta é situada em terreno balseiro, e produz um vinho não só de inferior mas de péssima qualidade»
[8].

Ainda antes da publicação do Alvará de criação da Companhia já eram elaboradas listas preliminares para os seus órgãos dirigentes, e em todas elas figurava como provedor perpétuo Luís Beleza de Andrade que produzia no Douro 200 pipas de vinho, ou pelo menos entrava com elas para a Companhia, e intendente geral da Companhia para assistir na Corte o Dr. Bartolomeu Pancorbo de Ayala e Guerra, e intendente administrador do Brasil Jerónimo Beleza de Andrade Rua, que era irmão de Luís Beleza.
Na lista que veio a ser sancionada oficialmente na Instituição da Companhia, de 31 de Agosto de 1756, ficou como provedor Luís Beleza de Andrade, e não se criou o cargo de intendente geral da Companhia para assistir na Corte, razão por que Bartolomeu Pancorbo não exercitou nenhum cargo e ainda nesse ano faleceu, nem o de intendente administrador do Brasil pelo que Jerónimo Beleza não exercitou também qualquer cargo.

Na sessão do Senado da Câmara do Porto de 18 de Setembro de 1756 o Dr. Juiz de Fora apresentou uma carta de Sua Majestade em que lhe ordenava que desse posse e juramento de vereador a Luís Beleza de Andrade para servir o presente ano o dito cargo, e sendo por ele mandado chamar se lhe deferiu o juramento dos Santos Evangelhos debaixo do coal se lhe encarregou que bem servisse a dita ocupasam (ver a imagem da 1ª folha da acta camarária, que encabeça este estudo).
De seguida à prática da cerimónia da posse, ainda nessa sessão, foi deliberado lançar pregão para que toda a gente deitasse fogo, pusesse luminárias nas noites de 18, 19 e 20 desse mês de Setembro para se mostrar o contentamento pela mercê que Sua Majestade fez de confirmar a Companhia dos Vinhos desta cidade de que resulta os interesses nestas Províncias, e que no dia 21 se mandasse cantar o Te Deum Laudamus em acção de graças pela vida e saúde de Sua Majestade (ver a única imagem acima publicada).
Mas o Cabido recusou celebrar o Te Deum. Os interesses da Companhia conflituavam com os da Mitra do Porto que era possuidora no Douro, entre outros bens, de dois terços da renda da Régua. Desta forma a Companhia teve que celebrar o acto religioso na Igreja de Nossa Senhora da Graça e Colégio dos Meninos Órfãos que estavam sob a sua tutela administrativa
[9].

Apenas decorridos vinte dias, em 2 de Outubro, o presidente da Junta Administrativa do novel organismo, Dr. Luís Beleza de Andrade, dava conta ao dominicano Frei João de Mansilha, procurador da Companhia junto da Corte, do regozijo manifestado pelos lavradores naquele imenso cadinho que é o da região duriense, desta forma, cuja redacção se actualiza:
Como se ofereceu este próprio quero dar parte a V. Reverendíssima que hoje recebo do Douro pelo correio que primeiramente são as notícias do contentamento e alvoroço que todas aquelas terras tiveram com a certeza do favor, que Deus lhe fez, aonde vivíssimas e públicas mostras da sua alegria não só com gerais luminárias e repiques, folias, encamizadas passados todos de contentes a loucos com o excesso do gosto mas ainda os que pela sua pobreza não tiveram meios de pôr luminárias fizeram maiores demonstrações com ardentes fogueiras com que alumiaram todas aquelas montanhas, e eu achei graça a esta resolução e demonstração dos pobres.
Esta noticiada explosão de júbilo revela a funda crise da região vinhateira duriense, o estado calamitoso a que chegara, e exprime a esperança depositada pelos lavradores no recém-criado organismo.

Notas:
[1] Susan Schneider in O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto, pág. 42, edição A Regra do Jogo, Lisboa 1980.
[2] Torre do Tombo, Ministério do Reino, maço 630.
[3] Na carta de do Padre Mestre Frei João de Mansilha para Manuel Rodrigues Braga, datada de Lisboa de 14-12-1756, dá a notícia daquele óbito: Foi Deus Servido levar Pancorbo pelas cinco horas e meia da manhã do dia treze de Dezembro com os Sacramentos e mui conforme com as disposições de Deus.
[4] Figuras e Factos Alto-Durienses, in Anais do Instituto do Vinho do Porto, 1953, pág. 39.
[5] Cfr. também Dr. António M. de Barros Cardoso na revista Douro – Estudos & Documentos, ano 1, 1996, nº 1, pág. 67 e seguintes.
[6] ibid págs. 183 e 184 nota 12.
[7] In Anais do Instituto do Vinho do Porto, 1951, 2º volume, pág. 236 a 238.
[8] Ibidem pág. 239.
[9] Cfr. O Vinho do Porto na Época dos Almadas, do Eng. Álvaro Moreira da Fonseca, pág. 27 e 28.

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